22 de abril de 2011

Ateus graças a deus

Cara, se tem uma coisa que me irrita no Québec é a farça de serem ateus. No natal já tínhamos vistos isso e agora tudo se repete na páscoa. Sério, isso me deixa bemm confusa.

Eu provoquei um professor que dizia que os quebecas são ateus, disse que esse é o discurso, mas que a cruz gigante continua no alto do Mont-Royal e que no natal as pessoas saem na rua cantando músicas de amor ao bom jesus. Ele riu e disse que o natal é comercial, não tem nada a ver com religião... Tá, mas o comércio faz o marketing que comove as pessoas, não?

Agora na páscoa to aqui vendo televisão e nego tá direto entrevistando padres pra explicarem o que é a páscoa, quais as suas tradições, mostrando receitas... Tá, não é só católico, tem o grego ortodóxo, o judeu ortodóxo e sei lá mais o que que comemora sua religião nessa época. Mas vir me dizer que não se trata de um povo religioso, bom, désolé, não é verdade.

Acho que o que faz A diferença é a forma como as coisas são encaradas, o respeito pela diferença do outro. Uma cena que muito me impressionou outro dia foi a seguinte:

Uma grande praça na frente da igreja, na esquina de uma avenida muito movimentada. Um grupo de ativistas contra o aborto foi pra esquina e começou a fazer sua campanha, com cartazes e fotos contrárias ao aborto. Dois, três dias da manifestação acontecendo, um grupo de meninas chegou do lado desses ativistas, abriram seus cartazes pró-aborto (leia-se, pró-escolha feminina se quer ou não ter o filho),  sentaram na praça e ficaram lá. Quando passei via a cena e me impressionei com a civilidade! Po, sério, imagina isso! É lindo, não?

Saindo um pouco do tema religioso e indo pra política, algo semelhante aconteceu essa semana: um grupo que reivindica que a Lei 101 seja abolida saiu na rua. Aí o grupo a favor apareceu e reagiu. Eles se estranharam com seus cartazes. A polícia veio separar antes que tivesse briga . Como terminou? Um gritando de um lado da rua e o outro do outro lado. Ficaram lá o dia todo, sem ninguém se agredir fisicamente ou se xingar, só falando sua opinião.

Na campanha eleitoral vemos isso direto. Um candidato fala mal do outro na cara. O "ofendido" ri e ignora.

Tá, me perdi completamente. Voltando à religiosidade quebeca. Eu acho muito complicado achar que o catolicismo não é mais fortíssimo aqui. Isso porque não se pode ignorar a religião como um grande condutor cultural, e perder a cultura católica demanda muito tempo. Po, a 40 anos as escolas eram gerenciadas pela igreja católica, então é uma ilusão achar que já deu tempo de ter uma mudança radical cultural. 

Basta ver a quantidade de Marias que tem nessa terra! Todas as mulheres se chamam Marie-QuelqueChose. É bizarro demais isso. No Brasil essas milhares de Marias usam o segundo nome, então a gente meio que perde a noção. Mas aqui não: Marie-Christine, Marie-Charlote, Marie-Anne, Marie-Eve! Ai ai...

Bisous,
Alice

6 comentários:

Lasevitz disse...

O rótulo de "religioso" sai, afinal, é démodé demais para os dias de hoje, mas a educação sentimental, aquela que aprende desde pequena a achar papai noel descendo pela chaminé debaixo da neve, ovos de páscoa e presépios como coisas lindas.

Acho que estou entendendo melhor como funciona a coisa por aí. É que estamos acostumados a pensar no "ateu" como essa coisa rebelde, que só pode ser rebelde para existir, ainda mais para uma sociedade conservadora como a nossa. E talvez no Québec isso já não seja necessário. Ser ateu já não exige mais tantas rupturas.

Lembrei muito do meu pai lendo esse post. Judeu, gosta de celebrar o Pessach, o Yom Kipur, e outras festas judaicas quando pode. Se diz tradicionalista, as tradições judaicas evocam sentimentos fortes, mas se eu lhe perguntar sobre deus, vai se dizer ateu. Acho que é bem por aí =)

E é bem nessa direção que o capitalismo vai pra explorar os "resíduos" de religião que ficaram, é claro..

Anônimo disse...

Algum tempo atrás, foi colocado nesse blog um post sobre estado laico e outro sobre o aborto. Ambos com noções erradas de como as coisas funcionam aqui no Quebec.

Vários comentários foram colocados dizendo que não é bem assim, existem ateus e religiosos, existem grupos pró liberação do aborto e outros que querem que existam regras, e outros ainda que preferem que seja proibido.

Foi colocado tb que "estado laico" não quer dizer que "estado ateu" e que aqui o governo garante a liberdade para que cada siga a sua religião. Existem aqui muitos religiosos: muçulmanos, espíritas, judeus, protestantes, católicos e também ateus. E a maioria na verdade nunca parou para pensar nisso.

Quando isso foi colocado, choveu comentário, que era mentira que não era nada disso, que a gente estava inventando.

Agora sim veio esse post é colocou as coisas como ela são. Parabéns. Quero se vcs, ao revisar esses dois posts, irão comentar: "estávamos errados, o estado aqui é laico, mas ainda tem resquícios da influencia da igreja católica, e existem outros grupos representativos de várias culturas e religiões. Hoje entendemos melhor como isso funciona..."

Lasevitz. Os judeus que eu conheço por aqui são muito mais "crentes" em Deus do que os Judeus típicos do Brasil, não é fachada não. Posso dizer o mesmo dos muçulmanos.

Alice no País das Maravilhas disse...

Oi Lasevitz,

Pois é, falar que é ateu aqui não causa nenhum frisson, as pessoas quase fazem um enorme "dããã"! ahauhauah

Você falou do seu pai e me lembrei da minha páscoa. Minha família atéia preparou uma páscoa com peixinho, chocolate, e um monte de pratos tradicionais do Pessach. Isso porque minha prima quer que a filha aprenda a cultura que compõe a formação da mãe e do pai. Logo a pequena já cresce sem nenhum conhecimento religioso, mas algum conhecimento cultural/alimentar do tema. *rindo*

Particularmente eu amei! ADORO comida judaica, amo o vinho do Pessach, dooooceee e fooorrrtteeee! ahauhauah

Bisous,
Alice

Alice no País das Maravilhas disse...

Olá Anônimo,

Fui olhar os referidos posts e comentários e inclusive os re-postei pra facilitar a discussão. Eis a frase que repeti várias vezes:

"Vive le Québec Libre. Isso, porque esse Libre não é referente só à sua independencia do Canadá, ou da monarquia patética britânica. Libre, pra mim (claro, né!) se refere ao respeito ao outro, que essa sociedade insiste em ter."

O que sempre disse e repito é que o Québec, enquanto Estado Laico, respeita os ateus, coisa que não acontece no Brasil.

Sobre os judeus, você naturalmente se refere à isso por causa da ENORME comunidade ortodoxa que tem aqui. Montréal tem a maior concentração de judeus ortodóxicos do Canadá. Mas não se pode misturar isso com todos os judeus que moram aqui, porque aí é arredondar de forma extremamente tendenciosa.Existem muitas pessoas religiosas aqui, principalmente estrangeiros, e não necessariamente isso é bem visto.

O concierge do prédio que nos mudaremos disse que tem raiva dos imigrantes muçulmanos porque estes vem pra cá, não se interessam com cultura local, impõe sua cultura religiosa e ainda acham que as quebecas são como prostitutas porque tem relações sexuais sem ser casadas. Veja só que triste, o preconceito com muçulmanos sendo propagado porque um grupo fica falando coisas como essas por aí...

Particularmente eu estou muito feliz. Reclamo porque quero que seja melhor, mais livre das amarras culturais cristãs. Mas fico muito feliz em morar num lugar que me respeita enquanto atéia.

Bisous,
Alice

Lasevitz disse...

Até porque chama muito mais atenção encontrar um grupo de quatro jovens na St. Urbain com suas barbas e chapéus de judeus ortodoxos do que cinco judeus-tradicionalistas-ateus que trabalham no mesmo escritório em que você trabaha eheheh.

Não sei bem ainda como anda a comunidade judaica em Montréal nesse sentido, mas imagino que seja algo parecido com o que acontece nos EUA, acho que deve ser por aí...

Alice, você falando agora, acho que meu pai nunca me passou essas partes legais da culinária, ops, cultura judaica. Pessach pra mim sempre foi passar o dia comendo matza, aquele pão sem fermento que parece uma cream cracker borrachuda, e nada além de matza. Isso de vinho doce e forte pra mim é novidade! =P

Abcs!
Rafael.

Alice no País das Maravilhas disse...

Oi Rafael Lasevitz! :)

Poooo, seu papai não te deu educação gastronomica judaica? Poooooo, num gosto mais dele! *rindo*

Pena que minha memória é de peixinho dourado, então não vou lembrar o nome dos alimentos. Mas já passei alguns pessachs na familia do marido da minha prima e a comilança é muito boa. Tem esse vinho doce e ultra forte que a avó dele fazia durante o ano todo (basicamente é uma uva específica, uma camada dela e outra de açucar... espera um ano e pronto, tá lá o bicho) e aqui compramos no SAQ, que tem uma estante só com esse vinho nessa época. Comemos também aquela sopinha deliciosa que é de bolinhas de farinha com um caldo bemmm liquido. E ainda teve aquele peixinho triturado que se come gelado com uma pastinha de erva-forte com beterraba... Bom, e teve matza também, pra molhar no caldinho da sopa... ehehehe

Ai, acho que to com fome! *rindo*

Sim, os judeus ortodoxos chamam muita atenção com seu vestidão preto e chapeu de xaxim!

Mas já me disseram uma coisa como: "Aproveita que vc parece judia e se te perguntarem confirma, porque são eles que mandam na cidade!"

Achei o comentário mais bizarro do mundo, mas reflete bem esse pensamento do judeu em NY, que são a elite financeira e intelectual, coisa e tal...

Eu num to nem um pouco interessada, mas adoro morar junto de um mercado casher porque adoro comer! *rindo*

Bisous,
Alice

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